sábado, 30 de abril de 2011

o que se diz no 400º post

a possibilidade de se prolongar
se desfaz com a queda cristal
deve-se saber que não há outra primavera
a primavera semeia outro tempo
não há sentido em flor noutra voz
não se repetem as poucas palavras
não existem discursos para um consolo
e o que resta são restos de respiros
não se aprende vida em livros
não se existe nada entre estações
e talvez não baste mais gritar
suporta-se tudo por um segundo
o instante que se desfaz em taça
os cacos que não se deve ajuntar
nada se pode fazer pelo traço da ausência
a não ser se repetir
e se ausentar

Primavera de um segundo

quando a madrugada chegou já era tarde
os passos do silêncio já haviam despertado
o anseio de tocar lira em teus lábios
descobrir-lhe corpo em cobertor de versos
e despertar para nós a ausência do tempo

tua alvidez repousava na calma dos que sabem
o momento pássaro de sugar arpejos
e nas vãs tentativas de transpor-la em palavras
calavas tu no deserto de algum sonho
a espera vencida pela visita de um beijo

das horas que passei perdida em esperanças
ignorava orvalhos antigos desses olhos
revestia de branco meu luto e teu lugar
visitava precoce outras vezes manhã
e trazia tardia outras vozes medo

desbotada talvez alguma essência de acordo
amanhecida se fez a ausência de acordar

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mais do mesmo

eu sempre me precipito
é sempre esse precipício
e sempre minha vontade de saltar
é sempre a eterna ausência
sempre suspense e samba
sempre outro verso por acabar
sempre te direi o que não devo
sempre sentirei por inteiro
sempre aguardarei alguém chegar
é sempre esse sufoco do instante
e sempre me surpreende o velho
que pra sempre hei de colecionar
sempre no surto ou no susto
sempre o excesso de defeitos
que um dia ainda haverás de amar

domingo, 17 de abril de 2011

soneto não metrificado

me enganaram todo esse tempo
dizendo verdades repetidas
eu já não sei o que é mentira
nem de onde vem todo tormento

me atiraram por todos os lados
verdades de que me alimento
são tristes, velhos e fátuos
donos de seu conhecimento

acaso existe algo além do palmo
que colocas na ponta do nariz
acaso existe realmente escolha?

tenho nas mãos um plano alto
de sonhar um destino feliz
dentro de uma terra totalmente tola

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Carta adormecida

pensei seriamente em me despedir. dessa vez e de todas as outras... um basta, um adeus, um ponto final. me disseram pra não fazer isso. amigos, companheiros, astros e tarot estão a seu favor. penso também que despedida seria algo drástico. um excesso de dramaticidade para o pouco que temos. não me despeço. aguardo a efemeridade dos momentos vindouros e aceito todas as mudanças desse percurso tortuoso que é sua estrada. estrada que não corre para o meu mar. escrevi-lhe versos. versos que nem são versos... são coisas bobas, de ingenuidade brilhante e pouca técnica profissional. porém, a minha falta de ter um papel importante na tua vida me transborda de papéis com versos interrompidos.

"As horas que passo em compania de teus sonhos valem-me a ausência dos teus beijos, sei que não é uma primeira vez, mas tudo grita com a bestialidade infante de sorrisos simples e anéis de seda, sei também que dormes eterna em si, esquecida de seu brinquedo novo que aguarda aflito ao lado [...]"

é muito cedo, é muito tarde. e eu sei que assusto. sei que desboto, que transcendo, que expresso, que espanto. mas acontece-me de ser assim. suja, sem casa, sem juízo, sem dinheiro, poeta... entregando a quem achar que mereça a chave de meus antigos relicários, desbotando-me no calor de outra pele, da tua pele, o resto de tristeza existente.
e como isso não é uma carta de adeus, deixarei a você que escreva o final.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

se por chaves de corrigir o tempo
esse retrato fossem tantos outros
e se nos meus braços crescessem em prosa
essa nossa história de calendários
tua imagem para mim o que seria?

- o mesmo que sereias para Gerardo
reformulada em versos de Gyannini? -

e se consumisse-mos todo o amor
e esse presente fosse uma outra página
virada nas rasteiras da amizade
nessa nossa ausência de aniversários
minha imagem para ti o que seria?

- velha canção ouvida em supermercado
tão sagrada lembrança não lembrada? -

sem essa ausência que ocupa-me a tarde
e emoldura-se em versos não vividos
sem nunca ter tocado os teus sorrisos
nessa não história por mim reinventada
acaso alguma imagem eu teria?

- o destino dos espelhos guardados
amar o avesso de tê-la algum dia –

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poema à moça que dorme

pela rua olhas espelho
pela noite pele e cabelos
trançam teu rosto de penas
pernas pupilam pelos teus seios
retina de meus sorrisos íntimos
revelados no furtivo de um beijo
de relutância e de epifanias
dorme agora desculpa e respira
descobre em meu colo morada
amontoada em pequenas migalhas
pois há sempre um mistério na noite
há sempre uma coragem guardada
para cada aspas perdida
sempre uma estrela encontrada